Resistência Feminista CANSAMOS DE CHORAR! Dia 25 de Novembro é o Dia de Combate à Violência contra as Mulheres  

O contexto das mulheres que se contrapõem ao modelo dominado pelo machismo traz à memória a inquisição - dita “santa” - onde mulheres declaradas perigosas para aquela sociedade eram queimadas vivas...

Resistência Feminista CANSAMOS DE CHORAR! Dia 25 de Novembro é o Dia de Combate à Violência contra as Mulheres    Foto: Floriano Lins Notícia do dia 25/11/2022

Após trinta e nove anos de intensos clamores mundiais por Justiça, finalmente, a Assembleia Geral das Nações Unidas em 1999, designara a data como Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.

E haja luta! Haja resistência! Haja espera! Haja clamor, sangue e lágrimas! É insistente e sem tréguas a maratona das mulheres, no mundo inteiro, na luta por respeito e direito a uma vida com dignidade. Em Parintins, a maratona segue no debate social reafirmando velhas pautas já conhecidas: medidas protetivas de urgência, escuta, acompanhamento, enfrentamento às violências doméstica, familiar, nos ambientes de trabalho e etc.  Em paralelo seguem as rotineiras estratégias de mobilizações e de lutas: manifestações públicas, abaixo-assinados, panfletagens, mesas redondas e por aí vai... Do conjunto da sociedade fluem respostas tímidas, acanhadas com frágil poder de intervenção sobre a perversa lógica patriarcal sustentada por este modelo de estado.  A cada ano em que se planejam novas/velhas intervenções e enfrentamentos, é como se tudo começasse do zero. 

Na pior das hipóteses, até parece que as Mulheres se acostumaram com a cruel rotina: hoje lutam, denunciam; amanhã, se aquietam aguardando por respostas: na maioria das vezes, emboloradas nos arquivos institucionais...  De resto, as Manas voltam a reagir na próxima barbárie.

Por esse olhar, Iolanda Toshie Ide, Militante da Marcha Mundial das Mulheres, se faz presente entre nós, parafraseando Marina Colasanti - A gente se acostuma.

A gente se acostuma trabalhar sem descanso; cozinhar enquanto cuida das crianças; pensar que tem que comer correndo sem mastigar; ver os homens folgados e despreocupados; exigir que a criança fique quieta pro pai descansar; ficar quieta se, além de fazer tudo sozinha, alguém ainda reclama... E porque se acostuma, não tem tempo para acarinhar as crianças como gostaria; e porque não recebem carinho, ficam rudes e desagradáveis... E então a gente se culpa porque só se cansou e não soube educar as crianças; Nem lembra que o pai também tem obrigação de educar... A gente se acostuma ser submissa e educar as filhas para a submissão; a achar que sempre foi assim e não tem jeito... E porque se acostumou não percebe que é possível mudar... E porque acha que não é possível mudar, fica triste, cheia de culpa, se sente inferior, incapaz, uma coitada. A gente se acostuma porque nos tratam como escravas e nos chamam “rainha do lar”; A gente se acostuma a ver a colega sendo espancada, nem se solidariza e até acha que ela gosta de apanhar... A gente se acostuma ... E porque se acostumou não sabe reagir. E porque não reage, não vive, passa pela vida sem viver.

A referência deste 25 de novembro de 2022 somada à contribuição da Feminista Iolanda provocam as Mulheres de Parintins/AM, mais uma vez, a romperem o medo, o silêncio, as lágrimas reprimidas e levantarem a voz. As intenções programadas por vários movimentos e organizações se voltam também à sensibilização da comunidade no combate a quaisquer práticas violentas sobre categorias fragilizadas e vulnerabilizadas: Mãe Terra, as fêmeas; populações negras, indígenas, gêneros diversificados, enfim, grupos empobrecidos e invisibilizados.

A presente data ainda retoma antigas reivindicações: Casa Abrigo, Vara Especializada, Direitos garantidos no Artigo 10, da Lei Maria da Penha - 11.340/2006. Outras necessidades urgentes e emergentes somam-se neste dia:  Casa de Partos, Cursos Profissionalizantes, Cumprimento da Legislação do Trabalho Doméstico, Direito à Acompanhante no Parto, Centros de Saúde Exclusivos para Mulheres, Divisão Igualitária nos Trabalhos Domésticos, Humanização dos Serviços oferecidos às Internas do Presídio Público, efetivação do Conselho Municipal das Mulheres, do Feriado Municipal do 08 de março, da Lei Ana Vitória, além de outros direitos silenciados que nos escapam no momento.

O contexto das mulheres que se contrapõem ao modelo dominado pelo machismo traz à memória a inquisição - dita “santa” - onde mulheres declaradas perigosas para aquela sociedade eram queimadas vivas... Segundo registros, foram milhares de mulheres assassinadas, consumidas pelas chamas sob bênçãos e aplausos... Transcorrem setecentos e oitenta e nove anos.  Disfarçadas em outras formas de fogueira, a violência, a opressão continuam vivas e presentes em leis, em dogmas religiosos condenando Mulheres que se contrapõem às desigualdades, a práticas violentas... No entanto, as chamas que um dia consumiram os corpos das Mulheres, vítimas do massacre machista/patriarcal/dogmatista reascendem neste 25 de novembro de 2022 para proclamarem que a Vida e História dessas Companheiras contagiaram o mundo e continuam incendiando centenas de outras Mulheres na construção da Justiça Social, da Solidariedade, da Igualdade, da Liberdade, da Autonomia e da Paz. Esta mesma chama, chama todas as Mulheres a manterem acesa a memória de nossas Lutadoras e, ao mesmo tempo, ascender a história de tantas Companheiras que ainda vivem na escuridão e no silêncio.

Embora reprisando anualmente as pautas, sob o calor da chama que nos contagia, a gente não vai se acostumar, não vai se conformar e, menos ainda, chorar e aceitar quietas a negligência do Estado de Direito. A hora é esta: resistir, lutar e enfrentar com altivez as burocracias machistas e perversas oficializadas pela neoinquisição.

Em Marcha até que todas sejamos livres!!!

 

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras literárias, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos

 

Fotos: Floriano Lins